É o momento Clarice Lispector - quinta-feira, as livrarias dos Estados Unidos
começam a receber quatro livros (
Perto do Coração Selvagem, Água Viva, A
Paixão Segundo G. H. e
Um Sopro de Vida) da grande escritora
traduzidos para o inglês, todos pela editora New Directions, que já lançou no
ano passado
A Hora da Estrela. O fato repercutiu na imprensa, com o
jornal Los Angeles Times citando a frase de um antigo tradutor de Clarice
(1920-1977), Gregory Rabassa, que comparava a autora brasileira a Marlene
Dietrich (no traço físico) e a Virginia Woolf (no traço estilístico).
“A maneira chocante com que fala dos grandes temas é a característica de sua
prosa que mais desperta atenção do leitor americano”, acredita Benjamin Moser,
organizador dos lançamentos e grande divulgador da prosa clariciana entre seus
conterrâneos, especialmente depois de publicada a tradução em inglês de sua
biografia
Clarice, lançada em 2009 pela Cosac Naify. “São assuntos que,
no nosso dia a dia, não temos coragem de enfrentar - a vida, a morte, o Deus - e
que são os grandes temas universais, independentemente de detalhes superficiais,
como a nacionalidade do leitor.”
Os quatro volumes chegam com um delicado projeto gráfico: juntas, as capas
reproduzem uma foto de Clarice jovem. E, em um canto, são reproduzidos elogios
de personalidades literárias como Jonathan Franzen (“Uma escritora
verdadeiramente notável”), Orhan Pamuk (“Uma das mais misteriosas autoras do
século 20”) e Colm Toíbín (“Um dos gênios ocultos do século 20”), além de uma
citação do jornal
The New York Times (“A principal escritora
latino-americana de prosa do século”).
Moser, que descobriu a escrita de Clarice na universidade, durante um curso
sobre literatura brasileira em que se estudou
A Hora da Estrela,
enriqueceu ainda a nova fornada de volumes com prólogos diversos, como o
assinado por Caetano Veloso para
Perto do Coração Selvagem e um
surpreendente texto de cineasta Pedro Almodóvar que, ao recusar o convite de
Moser para escrever sobre
Um Sopro de Vida, acaba tecendo vários
elogios à autora.
Apesar do enorme sucesso, Benjamin Moser considera tardia a chegada da obra
de Clarice ao mercado americano. E o que a mantinha tão afastada? “A resposta é
simples: uma má tradução”, acredita. “As antigas versões em inglês eram muito
ruins. Tentaram preencher ou eliminar as estranhezas da linguagem de Clarice, de
‘completá-la’, sem entender que isso é que justamente fizeram de Clarice a
escritora Clarice. Se conseguirmos na nova série fazer o leitor americano chegar
mais perto do coração de Clarice, teremos sabido traduzir um pouco do encanto do
seu português esquisito e belíssimo.”
Como editor de séries da New Directions, Moser já planeja novos lançamentos -
em seus planos, figuram Contos Completos, além de uma obra infantil. Um trabalho
de paciência, pois a dificuldade continua na tradução - alguns dos novos
lançamentos, por exemplo, passaram por até oito versões. Mesmo assim, Moser
orgulha-se de ter feito uma contribuição às letras americanas. “Trata-se de algo
realmente revolucionário.”
No Brasil, os livros de Clarice são um dos bens mais preciosos do catálogo da
editora Rocco, que prepara vários lançamentos a partir do segundo semestre. Em
outubro, por exemplo, deve sair a coletânea
Clarice na Cabeceira -
Jornalismo, que vai reunir textos publicados na imprensa ao longo de quase
quatro décadas.
Organizada por Aparecida Maria Nunes, a obra pretende oferecer uma amostra
consistente da forma singular como Clarice praticava o jornalismo, seja no papel
de repórter, entrevistadora, colunista de páginas femininas ou cronista, além de
ajudar a traçar um perfil do próprio jornalismo brasileiro nesse período.
Também a obra infantojuvenil da escritora vai ganhar nova edição, com um
projeto gráfico reformulado e volumes em capa dura. Os primeiros serão
A
Vida Íntima de Laura, ilustrado por Odilon Moraes, e
A Mulher Que Matou
os Peixes, por Renato Moriconi.
TRECHO
"Esse livro (
Um Sopro de Vida) provocou em mim um efeito similar ao
dos primeiros romances que li do sul-africano J. M. Coetzee. Cada frase acumula
tal quantidade de significados, é tão densa, rotunda e rica que eu preciso parar
antes de sentir um impacto semelhante a trombar com uma parede (...)
O romance é recheado de frases memoráveis sobre a criação literária e a
passagem do tempo, o desespero e a multiplicidade humana, incluindo a
necessidade de se falar de si mesmo, a procura por um interlocutor e o fato de
se encontrar isso dentro de si mesmo. Quero citar frases dela na edição em livro
do roteiro de
A Pele Que Habito.”
Trecho da carta de Pedro Almodóvar a Benjamin Moser
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